Ilhas verdes: uma experiência de urbanismo tático

Se pedirmos às pessoas que citem espaços de uso público, é quase certo que a praça seja a primeira a ser falada e esses locais são, realmente, os espaços públicos por excelência. Se, além de citar, pedirmos também que nos contem como descreveriam as praças, os relatos seriam variados, mas trariam, com alguma certeza, alguns elementos em comum: um banco, árvores e crianças brincando.
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As crianças têm o dom de usufruir dos espaços públicos como se estivessem no próprio quintal de casa. Pensando nisso, o Instituto Cresce, em parceria com o coletivo Becus, abraçou a necessidade de multiplicar e cuidar desses espaços, com os olhos e com as mãos dos pequenos. A ideia era transformar espaços ociosos do bairro em áreas de lazer: nos cruzamentos das ruas, se adotaria, como regra, rotatórias, transformadas em Ilhas Verdes. As rotatórias reduzem a velocidade dos veículos, trazem segurança e aproximam as pessoas ao diminuir as distâncias entre os espaços livres de uso público (ELUPs).

As Ilhas verdes, como uma experiência de urbanismo tático, são locais onde o passado, o presente e o futuro se encontram: do progressismo racional, no qual o veículo era o protagonista, ao pensamento humanista que foca a luz na pessoa que anda a pé e leva com ela a alegria do brincar.

O urbanismo tático tem se colocado como uma alternativa ao modelo moderno de planejamento urbano estatal, o qual, embora se mantenha importante e necessário, guarda ainda uma certa distância do usuário e uma lentidão nos resultados, que, normalmente, aparecem somente a longo prazo. Busca-se, então, soluções práticas e pontuais para problemas do espaço público, num processo mais voluntário e participativo junto à população. As intervenções táticas configuram respostas rápidas e dinâmicas a deficiências nos campos de habitação, mobilidade, lazer, meio ambiente e segurança, pensadas em escala local.  Dessa forma, não se substituem as ações de macro-escala, apenas viabilizam ações possíveis pontuais, numa espécie de acupuntura urbana, para usar a expressão de Jaime Lerner.

Nesse sentido, embora o projeto das Ilhas Verdes tenha sido proposto como parte do Plano Diretor de Nova Lima para a Área de Diretrizes Especiais do Vale do Sol, os espaços acabaram nascendo da espontaneidade dos moradores e dos usuários. Brotaram das sementes plantadas por eles, motivando o prazer e o querer fazer mais. O mutirão para a sua construção contou com intensa participação das crianças, afinal, o intuito era justamente permitir que elas orientassem a criação daqueles espaços e que se sentissem também responsáveis por eles. Nas Ilhas Verdes a primeira infância é respeitada nas suas necessidades de acolhimento e de proteção e, o mais importante, no pleno exercício dos direitos de participar e de ser criança: “Eu adoro várias coisas nelas! O balanço, o escorrega e até a árvore que gosto de subir na pracinha da Vênus. Gosto de encontrar meus amigos e brincar de tantas coisas. Lembro que ajudei a fazer cimento e colocar os blocos em volta da pracinha. Adorei!” – Gabriel, 7 anos.

Valendo-se da logística reversa, moradores do bairro e região colaboram com o projeto, doando brinquedos usados, que, adormecidos nos quintais, à espera de uma infância que não volta mais, voltam a sorrir em outro local:

Durante a pandemia a praça recebeu um novo balanço de pneus, um tanque de areia e vários brinquedos da vizinhança. As crianças se esbaldam. No meio dos brinquedos usados encontram novidades que tem sabor de presente novinho (…) A família que colocou em prática essa ideia deixou uma regra, que contribuiu para o espírito de solidariedade da comunidade: a criança pode escolher um brinquedo para levar para casa, mas, em troca, também precisa deixar sua doação! (…) torço para que novas praças cheguem no Vale do Sol e cumpram esse papel de amor e união como a Praça da Alegria que é também a praça da casinha, das crianças e de todos nós!” (…) despertou em boa parte da comunidade o sentimento de pertencimento, fortalecendo os laços entre as pessoas e a natureza. –  Camila, moradora do bairro, mãe do João Vitor, da Maria Luísa e do Pedro Leon.

As Ilhas Verdes são um verdadeiro respiro para o bairro e os moradores estão sempre celebrando:

“Antes da pandemia já era muito agradável, mas, com a quarentena, as praças tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento, para a diversão, para o bem-estar do bairro, das crianças e dos pais também. Eu sou um usuário frequente: vou todos os dias pelo menos uma vez. Eles gostam muito de explorar: criança nessa idade gosta muito de subir, de descer, de pular, de pisar, de escalar, então essas coisinhas nas praças são muito legais, sabe? Outra coisa que elas gostam é acompanhar o crescimento das plantas (…). Isso atrai muito as crianças, que são muito observadoras.  – Marcelo Alvarenga, morador do bairro

Além da força comunitária, as experiências de urbanismo tático são muitas vezes apoiadas por empresas locais e profissionais da área que contribuem voluntariamente. Nesse sentido, o Becus colaborou na concepção do projeto, com o desenho de algumas das Ilhas e do mobiliário urbano, levantamento de materiais e direcionamento do mutirão, colocando sempre as crianças e os demais moradores como protagonistas da ação.  Através de práticas como essa a população dá forma ao planejamento urbano, mostra seu protagonismo e ocupa os espaços carentes de políticas públicas ou nos quais seus efeitos não seriam sentidos num futuro próximo.

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